Para comemorar este dia, sugerimos a leitura de “Uma Certa Harmonia – Notas sobre a arquitetura e saúde mental infanto-juvenil”, Pedro Strecht.
«As nossas cabeças têm casas. Construções erguidas de múltiplas maneiras. Espaços com histórias. Divisões cheias. Recantos escondidos. Coisas que se usam todos os dias. Gavetas bolorentas onde uma aranha arrisca tecer uma teia. E janelas. Janelas por onde o ar entra e a luz enfeita os dias, o passar das horas e adormece, escura, coma chegada da noite. Sonhos. As casas são feitas de sonhos. Os sonhos habitam as camas, espalham-se, fogem ao controlo, ocupam todo o espaço vivido e o imaginado que tantas vezes entra pela porta dentro e faz visitas mesmo sem ser convidado. Os sonhos sentam-se à mesa, estão no sorriso das pessoas, partem e voltam no reencontro depois de mais um dia, cansados, vividos, prontos para prosseguirem se necessário anos a fio. Os sonhos é que dão vida às casas. E são eles que as matam quando, certo dia, é preciso sair delas.
As casas criam enredos como quem cria filhos. Desenvolvem paixões cujos lábios murmuram. Vivem da ilusão fantástica do tempo todo e escrevem histórias. Amor, ódio, solidão e amparo, de tudo as casas conhecem e calam. Silenciosas permanecem, fechando segredos de que só elas cuidam, como quem se detém perante uma flor na varanda, imutável, atenta ao desfiar de estações.
As casas são pais e mães do desejo, da vontade de existir e de uma certa ilusão de, afinal, sermos eternos. Somos sempre pais e filhos delas, mesmo quando, um dia, temos de mentir para que não se afastem do nosso coração.»