Antes mesmo de o bebê nascer, os pais começam a planejar o seu futuro. Nessa ânsia de tentar controlar todos os passos da criança, para que ela se saia bem na vida, existe uma coisa muito importante que pode ficar comprometida: o tempo. Por isso, cada vez mais pessoas estão se comprometendo com a ideia do slow parenting, que teve início nos Estados Unidos e nada mais é do que a desaceleração da rotina dos pais para que deixem seus filhos mais tranquilos para curtir da vida. Com atitudes simples, e uma dose de “despreocupação”, as famílias conseguem melhorar a qualidade de vida.
O pedagogo Paulo Fochi, coordenador do curso de Educação Infantil da Unisinos, no Rio Grande do Sul, é um dos porta-vozes do movimento aqui no Brasil. Em suas palestras, ele defende que o melhor jeito de praticar o slow parenting é começando cedo, a partir do momento em que o bebê chega ao mundo. CRESCER conversou com ele para entender de que maneira os pais podem melhorar a vida dos filhos. Veja abaixo:
CRESCER: De que forma estamos acelerando os bebês?
Paulo Fochi: No Brasil, assim como em outros países, as crianças estão saindo da vida privada (família) e indo para a vida pública (escola) cada vez mais cedo, com 4 ou 5 meses de vida. Refletir sobre esses processos de educação compartilhada torna-se fundamental nos dias de hoje. Logo, quando falo e critico a aceleração que adultos e a sociedade estão colocando aos bebês, me refiro também, e especialmente, a esses recém-chegados ao mundo. Mesmo os bebês bem pequenos estão vivendo a partir de uma agenda de tarefas cada vez maior, seja na sua experiência na escola, seja em casa com seus pais. Bom seria se, com a vinda deles, aprendêssemos a estabelecer um “contrato” diferente com o tempo e, em vez de inventarmos atividades para os bebês, criando agendas e tentando descobrir quais são os novos produtos, aulas e afazeres que o mercado criou pra eles, tentássemos organizar e garantir que o tempo de estar juntos pudesse ser maior, mais intenso e mais despreocupado. Não há nenhuma atividade melhor que a incrível possibilidade de estar com o outro e, para tal, não é necessário criar brincadeiras, inventar jogos ou atividades especializadas. Agora é a hora de aventurar-se na tarefa que implica aprender a estar com os outros. E isso requer tempo.
C.: Em entrevistas anteriores, você se refere a uma superestimulação dos bebês. O que seria isso e quais as consequências para as crianças?
P.F.: Os pais costumam ficar desesperados para acelerar e apressar os pequenos a chegarem antes em algum lugar misterioso. São práticas que privam o bebê de efetivamente participar de um percurso que, a princípio, ele é que deveria estar inteiramente ativo. Na verdade, as premissas de estimulação partem de um pressuposto que entende os bebês como passivos e incapazes de eleger. Eu não concordo com isso e, por essa razão, sou contra qualquer tipo de estimulação externa e que tira a centralidade da criança.
C.: Você pode dar um exemplo?
P.F.: Colocar os bebês de barriga para baixo para que eles possam caminhar mais cedo é um estímulo inadequado. Fazer isso é como pedir que, em nosso trabalho, fiquemos numa posição corporal totalmente inadequada e desconfortável durante o expediente. Em vez disso, o melhor é que os bebês não fiquem presos em cadeiras de balanço e possam estar no chão, explorando e descobrindo o seu entorno. Essa é a melhor forma de garantir boas oportunidades às crianças. Quero ainda destacar que não só falo da super, da hiper, mas da estimulação externa como um todo. Passou-se a encarar a vida, em especial a ideia de educar uma criança pequena, como um empreendimento do futuro. Por isso, parte-se da ideia de um bebê passivo e em falta e que precisa ser estimulado para ser ativado e preenchido com aquilo que parece ser a garantia da sua felicidade.
C.: Em que sentido a estimulação pode ser ruim?
P.F.: Ando muitíssimo preocupado com pais e escolas que estão associando agendas lotadas como sinônimo de qualidade de vida dos filhos. Por favor, perguntem a eles: “Vocês estão felizes, crianças?”. Creio que a resposta seja: “Nós estamos cansados”. Colocar as crianças nesse ritmo da produção, do capital, é como aniquilar sonhos, aniquilar a nossa potente capacidade de criar e recriar uma nova visão de mundo. Se não tivermos tempo – e não criarmos o tempo – para experimentar, testar, abandonar e retomar um projeto, seja ele da natureza que for, perderemos esse que é fator primordial da nossa condição humana: o inédito, o novo, a possibilidade de dar novas oportunidades ao mundo.
C.: Então, o que os bebês devem ter ou receber no berçário?
P.F.: Na escola, inventam-se aulas disso e daquilo e, muitas vezes, cria-se um cenário repleto de estímulos sonoros, visuais e táteis. Só que os bebês não precisam ser ativados, eles já são muito ativos e têm o impulso de conhecer o mundo. Hoje, no Brasil, com as Novas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, os educadores estão apostando cada vez mais na educação autônoma e de movimentos livres. Entende-se que um currículo para uma escola que atenda crianças de 0 a 6 anos compreenda as práticas do cotidiano como uma das formas de construir conhecimento. Comer, por exemplo, é uma grande aprendizagem. Como estamos pensando sobre isso em nossas escolas? Não me refiro apenas a uma alimentação saudável, mas também à prática social de estar à mesa com seus pares (os outros bebês), de conseguir operacionalizar o movimento de levar, apoiado por um instrumento (colher), o alimento até a boca ou, ainda, servir-se com os alimentos que deseja. Esses são conteúdos que as escolas de hoje precisam entender como práticas curriculares.
C.: Precisamos dar um tempo para o bebê ser bebê. Qual é, na prática, o significado dessa frase e por que isso é importante?
P.F.: Esse é um tempo que não tem chance de ser recuperado. Só somos bebês ao chegar ao mundo. Na prática, dar tempo para o bebê ser bebê é eliminar as agendas de atividades, é garantir um espaço adequado para explorar o mundo, é parar com essa ideia de antecipar algo que pode ser descoberto depois, quando tiver muito mais sentido. Estou me referindo a um entorno diferenciado, em que as expectativas demasiadas dos pais em relação aos filhos precisam ser abandonadas. A psicanálise já nos ensinou o quanto perverso e terrível é para os bebês nascerem com uma história já narrada, anunciada e determinada pelos adultos.
C.: Como os pais podem “pisar no freio”?
P.F.: Minha preocupação tem sido alertar pais e professores que aceleram seus bebês. Entendo que uma coisa possa estar relacionada a outra, mas os bebês ficam sem escolha, não lhes dão oportunidades de eleger o que fazer. Os adultos precisam aprender a escutar aqueles que não são portadores da palavra, portanto, fazer uma escuta muito mais profunda e intensa, que se dá através de um diálogo de olhares, do contato entre os corpos, de sorrisos… Penso que, quando aprendemos a fazer essa escuta, descobrimos a imensa capacidade que as crianças bem pequenas têm de admirar o mundo, de contemplar e entrar em acordo com o tempo, que não é tão horizontal – do antes, agora e depois. Ele é um tempo mais vertical, medido pela intensidade dos acontecimentos. Eu, particularmente, aprendi no convívio com os bebês a pensar sobre o tempo. Descobri que dispensava tempo, e ainda dispenso, com coisas que não valem tanto assim.
REVISTACRESCER.GLOBO.COM