A psicoterapia não é apenas uma oportunidade para as pessoas se sentirem genuinamente escutadas. É um espaço relacional que acolhe as angústias de que vão procurando fugir, ao mesmo tempo que as legenda e liga com os aspectos essenciais das suas vidas.
Talvez o imaginário colectivo esteja, ainda, muito dominado por uma ideia positivista de ciência, e a ideia de saúde ainda muito acoplada a um modelo biomédico, de causalidade linear. A ser assim, o sofrimento mental só poderia resultar, de forma unívoca, de umas quantas reacções bioquímicas disfuncionais, afigurando-se a medicação psicotrópica como a única forma de corrigir estes desequilíbrios.
Mas somos, felizmente, um bocadinho mais complexos do que isso! A actividade cerebral determina, em larguíssima medida, a nossa experiência, mas parece cada vez mais claro que a experiência e as relações humanas influenciam, elas próprias, aspectos muito importantes do funcionamento cerebral! É o que parece, por exemplo, decorrer de um estudo dirigido por Daniel Wiswesde, em que pacientes deprimidos melhoram significativamente os sintomas depressivos, normalizando, ao mesmo tempo, o funcionamento do sistema límbico (área cerebral muito associada ao processamento das emoções), depois de um punhado de meses de psicoterapia dinâmica.
Quer isto dizer que a biologia cerebral não é fundamental no desenrolar da vida mental, ou que a medicação não pode ser muito útil para suster o sofrimento mental? De modo nenhum! Significará antes que a lógica da causalidade linear é curta na aproximação à complexidade humana.
Há mais de 100 anos aprendíamos com Freud que a nossa vida é muito condicionada por emoções que fazemos por não pensar. Aprendíamos com o pai da Psicanálise que o normal e o patológico são, no essencial, quantidades diferentes das mesmas qualidades humanas. Os cognitivistas mostraram-nos como as experiências de vida podem moldar o modo como aprendemos a pensar nas mais diversas situações. Os modelos sistémicos aclararam a importância da comunicação, da complexidade e da causalidade circular. A Psicanálise contemporânea mostra-nos o lugar central da relação (desde a vida intrauterina, sabemo-lo hoje) na construção do funcionamento mental (em todos os seus aspetos mais e menos saudáveis).
Se tentarmos intersectar todas estas portas de entrada, talvez possamos dizer que, em muitas circunstâncias, a ansiedade ou os sintomas depressivos, por exemplo, decorrerão tanto de equívocos e desencontros continuados na relação com o outro e com a verdade do que se sente (ou de experiências mais ou menos traumáticas) como de desequilíbrios bioquímicos (que, muitas das vezes, mais do que causa, serão, porventura, o correlato biológico do sofrimento).
Será aqui que, a meu ver, entrará a utilidade da psicoterapia. Não apenas como uma oportunidade para as pessoas se sentirem genuinamente escutadas. Mas como um espaço relacional que acolhe as angústias de que vão procurando fugir (por as sentirem insuportáveis ou demasiado dolorosas, por exemplo), ao mesmo tempo que as legenda e liga com os aspectos essenciais das suas vidas. Esta nova relação, ao desconstruir alguns aspectos dos padrões relacionais (que, em boa medida, para o bem e para o mal, as trouxeram até ao ponto onde se encontram), funcionará, assim, como uma espécie de tubo de ensaio para uma relação mais clara e genuína com aquilo que sente (procurando pensar e gerir as emoções em vez de, continuadamente, as tentar silenciar), o que não deixará de se traduzir nas relações da “vida real” (tornando-as mais confiantes e confiáveis, mais criativas, assertivas e próximas) com as pessoas, o trabalho, as desilusões, a esperança ou o desejo.
Por José Sargento, Psicólogo Clínico
Fonte: P3