Para a psicanálise existem duas maneiras de olharmos para a realidade: a realidade externa, que é compartilhada, e a realidade interna ou realidade psíquica, a qual compõe o imaginário, as ideias e as representações próprias de cada sujeito, ou seja, a maneira como ele percebe as coisas e o mundo.
Portanto, podemos pensar que existem feridas e dores visíveis e outras que podem ser invisíveis aos olhos, mas que nem por isso são menos dolorosas.
A dor psíquica ou dor da alma pode ser mais avassaladora do que a dor física em alguns casos, de forma que diante de uma intensa dor psíquica, o sujeito pode se ver incapaz de processá-la e superá-la recorrendo ao suicídio como a única saída possível para livrar-se da dor, descarregando-a em um ato.
A psicanálise pretende lançar luz às dores psíquicas reais ou fantasiadas, livre de pré-conceitos e estigmas, ajudando a construir novos significados e sentidos para a problemática do suicídio.
O excesso de sofrimento, a ausência de palavras e a força de algo que é irrepresentável e impossível de suportar pode levar um indivíduo a tirar a própria vida.
É claro que, para chegar a este ponto, o indivíduo não se encontra mentalmente saudável, tendo percorrido um processo de adoecimento e sendo invadido por ocorrências traumáticas.
Alguns fatores de risco que podem se tornar tendências suicidas são: o sentimento de “ser um fardo e impedir a felicidade do outro”, o excesso de culpa, o sentimento de inutilidade ou de auto-recriminação por não atender à demandas e expectativas familiares e sociais, ser vítima de discriminação, abuso e violência, sofrer de transtornos de ansiedade e depressão vivenciados inclusive por perdas e rompimentos, fazer uso abusivo de álcool, drogas e outras substâncias químicas, ter sérios problemas financeiros, ter atitudes de automutilação, ser portador de doenças mentais e outras doenças crônicas.
O suicídio não escolhe idade, nem género, religião ou classe social, por isso qualquer fator de risco potencial deve ser visto como sinal de alerta e motivo para buscar ajuda.
O processo terapêutico pode contribuir exatamente para dar voz ao indivíduo, colocando-o na posição de um sujeito que fala e que é escutado, que fala e escuta-se. Não escuta aos outros, mas escuta a si mesmo, podendo simbolizar e dar um sentido ao que lhe acomete através da fala e não do ato (de tirar a vida).
Quando digo que não escuta aos outros refiro-me ao fato de que, muitas vezes, os outros não dizem nada que possa ajudar e sim que fazem o sujeito em sofrimento recriminar-se ainda mais. Temos, como exemplo: “Você tem tudo, larga a mão de bobagens”, “Eu conheço alguém que passou por isso e agiu assim ou assado”, “Você precisa ir para a igreja”, “Não chore por ele (a), existem muitas outras pessoas por aí”, etc.
Portanto, a escuta de um profissional qualificado poderá inserir questionamentos ao sujeito, incentivar suas potencialidades e não tentar encaixá-lo em estereótipos fora dos “padrões sociais”.
Lembrando que amigos e familiares podem ajudar muito alguém que apresenta fatores de risco para o suicídio: ao mostrar que se preocupam e que se importam com a pessoa, ao se interessar por aquilo que é importante para ela, ao resgatar memórias felizes, etc., mantendo sempre a mente aberta e uma postura que não provoque ameaças, incentivando a pessoa a buscar ajuda profissional.
Podemos dizer que o suicídio não é um ato racional, é um ato cometido por alguém que está vulnerável e que se torna vítima de si mesmo.
Por fim, o que leva uma pessoa ao suicídio pode ser, no fundo, o desejo de viver e não o desejo de morrer, uma vez que pode ter criado para si a ilusão de uma vida que acredita não poder viver.
Suicídio: precisamos falar sobre isso