Sintomas infantis muitas vezes parecem difíceis de compreender. Como pode um sujeito tão pequeno, com tão poucas vivências e que por vezes se encontra confortavelmente amparado por uma família estruturada, com cuidadores interessados e abertos à reflexão, apresentar sintomas de ordem psíquica? De repente um comportamento inexplicável, uma mania, um tique, uma desordem, um retrocesso no desenvolvimento. Os pais, confusos e preocupados, procuram auxílio… Muitas vezes para descobrir que aquilo que aparece em seus filhos como sintoma é exatamente o que eles mais temem neles mesmos.
Uma forma de começar a pensar neste fenômeno é observar atentamente a colocação mais assustadora dos últimos tempos: “a culpa é sempre dos pais”. Como a culpa poderia ser sempre dos pais se estes pais também tiveram pais? E os pais antes desses, avós, bisavós, tataravós…. Enxuguemos esta ideia de que alguém deve ser culpado pela neurose do outro e teremos espaço para reflexão.
É por intermédio da família (e aqui faço questão de inserir todo tipo de configuração familiar ou instituição que cumpra esta função) que o sujeito tem seu primeiro contato com a cultura. Neste primeiro convívio, muita coisa é verbalizada: regras, ideais, educação, valores morais, etc. Muito daquilo que os pais e/ou cuidadores acreditam e vivenciaram. Mas nem tudo que é comunicado passa necessariamente pela linguagem falada. Aquilo que desejam para a criança, o lugar que esta ocupa na família, ao que ela remete na história dos pais, expectativas, lembranças, medos, receios…. Todas estas coisas que acabam não sendo ditas permeiam a relação da criança com seus parentes mais próximos de forma sutil e muitas vezes velada. Acho que já sabem onde desejo chegar, certo?
É comum, por exemplo, que os pais queiram proteger seus filhos daquilo que acreditam ser prejudicial. Nisso vemos pais que se preocupam com coisas que, para os filhos, jamais se tornariam problemas se não fossem tratados como tais. Um pai pode ter medo de que seu filho tenha problemas de relacionamento na escola por ter, ele mesmo, sofrido bullying quando pequeno. O receio pode ser tanto, que tempos depois repara que o filho também passa pela mesma situação, perpetuando a tragédia familiar. O excesso de zelo e preocupação do pai, por mais que não tenha sido verbalizado momento algum, é transmitido ao filho no convívio de forma inconsciente e, quando menos espera, a criança não consegue reagir a uma situação de humilhação, tal qual o pai em sua infância. Aterrorizado, o pai procura ajuda pois crê que seu filho terá o mesmo destino que o seu. Teme pelo menino e implora por uma intervenção que na verdade deveria ter ocorrido anos atrás, com ele mesmo. A criança, diminuída pelo temor do pai, acaba sendo ignorada enquanto sujeito que possui nome próprio e que, em outra situação, poderia facilmente escrever uma nova história. Assim, um filho pode ficar preso na história de um pai, arrastando por gerações uma neurose que, por jamais ter sido atravessada, perpetua-se na calada da noite. De onde terá vindo o medo do pai, que se instalou já na infância? Algo pode estar crescendo como câncer nesta família há anos, sem nunca sofrer uma intervenção.
O mesmo pode ocorrer com um segredo familiar. Algo mal elaborado na família pode ser escondido da criança para poupá-la (ou mesmo para poupar os pais de terem de lidar com este elefante branco). No dia-a-dia, no entanto, o não-dito circula em todo lugar. Ninguém quer falar sobre o elefante branco na sala, mas ele persiste. Até que a criança, criatura muito sensível, aparece com uma nova mania que é incômoda exatamente por remeter àquilo que ninguém quer ter de lidar. Uma mãe que foi adotada mas nunca contou aos filhos pode ter que se deparar com uma criança que chora o tempo todo pois crê ter sido encontrada pelos pais numa lata de lixo. Um filho que jamais foi desejado pode revoltar-se contra os pais, vingando-se com mal comportamento (alguém aqui já assistiu Precisamos Falar sobre Kevin?).
Enfim, este é apenas um recorte não teórico daquilo que nós estudamos diariamente na Psicanálise, mas creio eu que serve para expor um pouco dos mistérios por trás de tantos desvios estranhos e de difícil compreensão. Decorre daí também a importância da participação dos pais na análise infantil, uma vez que a melhora pode estar associada a aspectos que estão fora do alcance da criança. Levar um filho para análise pode acontecer de forma automática e muitas vezes os pais procuram inconscientemente por alguém que resolva o problema sem que eles mesmos precisem se envolver. No entanto, em muitos casos, a criança acaba sendo depositária de questões que não são próprias de seu psiquismo (mas que estão começando a se tornar!). A reação na forma de sintoma pode inclusive ser entendida como algo positivo, já que aponta para uma luta interna contra este corpo estranho que vem tomando conta de seu inconsciente. Por poder ser vista como sinal ou pedido de ajuda, é bom que os pais estejam atentos a estas mudanças e dispostos a participar ativamente caso uma análise seja recomendada.
Por: Isabela Malizia – Chapeuzinho Amarelo